Editorias

Episódios curiosos moldaram linha editorial da ConJur

Em 1997, o Poder Judiciário se tornava protagonista no cenário nacional, o Ministério Público já ganhava cada vez mais força e os demais atores do Direito se adaptavam a direitos e liberdades conquistados na redemocratização. Para explicar essa realidade, os jornalistas Márcio Chaer e João Ozório de Melo decidiram criar um veículo de comunicação voltado à área jurídica. Surgia, assim, a ConJur.

Ao longo de seus 25 anos, a revista eletrônica foi, aos poucos, conhecendo seu público e moldando sua linha editorial. Alguns episódios foram determinantes para isso e explicam como a ConJur virou ConJur.

Primeiros passos
A revista eletrônica foi uma grande novidade nos universos jurídico e jornalístico — justamente por ser um veículo de comunicação sobre Direito e Justiça feito exclusivamente por jornalistas sem formação jurídica.

No entanto, o jornalista Rodrigo Haidar já contou que, no começo, isso era motivo de desconfiança: “Perdi as contas de quantas vezes ouvi de advogados, juízes, promotores, escreventes: ‘Ah, vocês não são advogados? Então, peraí, deixe explicar melhor’. Ou a versão: ‘Quer que eu escreva um rascunho?’”.

primeiro texto publicado pela ConJur alinhava uma série de decisões judiciais sobre a aplicação do ICMS. À época, as notícias abordavam principalmente questões jurídicas que impactavam o cotidiano do leitor.

Ainda nos seus primeiros dias de existência, o site mostrou uma prática curiosa e bem-humorada do advogado tributarista e frequente colaborador Raul Haidar. Para evitar a retenção de documentos pessoais em prédios — proibida por lei —, ele deixava nas portarias uma carteirinha de uma entidade fictícia: o Conselho Federal dos Apedeutas Profissionais. A ideia era ridicularizar a exigência descabida, já que apedeuta significa “pessoa sem instrução, ignorante”.

Em 1999, a ConJur noticiou uma liminar que garantiu a matrícula de dois alunos inadimplentes em uma escola particular de São Paulo. A decisão era casual e, hoje em dia, não teria muito destaque.

Mesmo assim, o texto foi uma das manchetes do portal UOL, com o qual a revista eletrônica mantinha uma parceria. Como lembra Rodrigo Haidar, a redação da ConJur passou a receber diversos telefonemas de pessoas interessadas no caso. A partir disso, o site passou a publicar, sempre que possível, a íntegra das decisões. Afinal, o documento costuma despertar a curiosidade de advogados e até de pessoas na mesma situação.

Evolução constante
Um dos principais marcos no “modo ConJur de ver o mundo e encarar a Justiça” (nas palavras do diretor executivo Mauricio Cardoso) aconteceu em 2004. Um furo de reportagem revelou que uma denúncia contra o banqueiro Daniel Dantas foi redigida no computador do empresário Luiz Roberto Demarco, ex-sócio e desafeto de Dantas. Assim, o autor do arquivo seria o advogado do empresário, Marcelo Ellias, e não o procurador Luiz Francisco Fernandes de Souza, que assinava a peça.

Casos como esse, jogando luz sobre abusos e desonestidade por parte da acusação, mais tarde se tornariam uma das principais marcas do site, especialmente a partir do surgimento da “lava jato”.

Mas, mesmo antes, a revista, em um movimento pioneiro, passou a iluminar o devido processo legal e as garantias individuais. Em diversas ocasiões, abordou excessos de prazo em prisões preventivas, apontou a falta de fundamentação de determinações de CPIs e detalhou as fragilidades técnicas de operações da Polícia Federal (comumente planejadas com o MP e magistrados).

Já em 2005, a ConJur noticiou que o Supremo Tribunal Federal trancou uma ação penal contra o publicitário, empresário e apresentador Roberto Justus. Como todo o restante da mídia, a revista eletrônica destacou muito mais a figura do réu do que os detalhes técnicos da decisão.

Rodrigo Haidar narra que, cerca de meia hora após a publicação, um advogado, leitor do site, telefonou para a redação. Indignado, ele questionou por que a notícia dava destaque a Justus, e não ao fato de que o STF havia afastado a aplicação da Súmula 691. A regra, que até então era observada com muito rigor, diz que não cabe ao Supremo analisar Habeas Corpus impetrado contra decisão monocrática de tribunal superior.

A correção logo foi feita, mas o caso foi outro marco na evolução da linha editorial da ConJur. A partir de então, o veículo entendeu sua própria vocação. Para dialogar com um público bem definido, seria necessário enfatizar a tese jurídica, independentemente de quem estivesse envolvido na causa. E assim é feito até hoje.

Com o passar do tempo, mesmo com um mote “diferente”, a revista foi se tornando referência não só para operadores do Direito, mas também dentro do jornalismo. O jornalista Alessandro Cristo já relatou que foi muitas vezes procurado por colegas de profissão em busca dos telefones de advogados ou magistrados. Além disso, muitas reportagens da ConJur foram reproduzidas e repercutidas nos maiores jornais e emissoras de TV do Brasil.

Outro caso curioso relacionado à essência do site foi rememorado pelo jornalista Marcos de Vasconcellos. Certa vez, a imprensa noticiou uma das condenações do ex-deputado Paulo Maluf, com a informação de que ele estaria inelegível. Mas a ConJur deixou claro em sua reportagem que não estava. Com isso esclarecido, em cerca de meia hora os principais jornais do país tiveram de mudar suas manchetes. Em seguida, o próprio Maluf ligou para a redação e elogiou a revista por ir atrás da verdade.

Já à época do julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão, as manchetes em todo o país destacavam as condenações de figuras importantes, como o ex-ministro José Dirceu. Já a ConJur discutia como o Supremo Tribunal Federal havia distorcido a teoria do domínio do fato para punir políticos com base apenas em sua posição hierárquica.

Vocação contramajoritária
Na missão de trazer informações jurídicas de qualidade, a ConJur se pauta na consciência de que não pode ser a maior no mercado da grande imprensa, mas busca sempre o melhor conteúdo dentro de seu nicho de especialização.

Como já explicou Márcio Chaer, criador e diretor de redação da revista eletrônica, a ConJur se inspira na definição de humor trazida pelo escritor Millôr Fernandes: olhar para um lado enquanto todos olham para o outro.

Enquanto a maioria dos veículos não especializados enfatiza a acusação, a ConJur é um espaço para o direito de defesa. Além disso, o cerne desta revista eletrônica são as construções jurídicas. O nome da parte e o valor da causa pouco ou nada importam. A tese é mais valorizada do que o fato concreto.

Ou seja, o site é contramajoritário, como já disse Mauricio Cardoso. Por opção ideológica, entra na contramão da maioria da população e da imprensa, “porque sua proposta é tratar sempre o Direito e a Justiça como eles são e não como convém ao contexto político ou para fazer eco ao clamor popular”. Assim, a abordagem dos fatos se baseia não na política, mas na técnica jurídica.

Essa vocação contramajoritária vem de longa data, mas ficou ainda mais evidente quando a “lava jato” começou a ser desmontada. Enquanto a grande mídia buscava sangue e dava manchetes para acusações sem lastro, que depois alimentavam denúncias, o ConJur ia na contramão, criticando o populismo midiático e dando voz à defesa.

O resultado foi que os veículos que ajudaram a operar a “lava jato” perderam 68% dos leitores em seis anos. As mensagens hackeadas entre procuradores e o ex-juiz Sergio Moro mostraram que as acusações foram combinadas, evidenciaram as táticas de coerção sobre os acusados (prisão para forçar delaçãoperseguição direta de alvos e de ministros do STF), expuseram processos que tinham sido escondidos da defesa, tudo a serviço do lawfare dos Estados Unidos. Em resumo, abriram os olhos do país para a necessidade de um jornalismo comprometido com o direito de defesa e a análise crítica dos processos judiciais.

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