Em 25 de julho de 1997, uma sexta-feira, a Revista Eletrônica Consultor Jurídico entrou no ar com sua missão de ser fonte de informação sobre o Poder Judiciário em um mundo digital completamente diferente. O Judiciário não era, ainda, protagonista. Solene, cioso de sua imponência e de seu poder, operava a portas fechadas a partir de cada processo.
A Constituição Federal de 1988 havia sido promulgada há menos de uma década, e os avanços que ela prometia à sociedade, ainda distantes, tentavam ser implementados pelas instituições. Perto dos fatos, a ConJur testemunhou e registrou grande parte desse processo.
O principal marco da transformação foi, sem dúvida, a promulgação da Emenda Constitucional 45/2004, que promoveu a Reforma do Judiciário. Entendeu-se, ali, que seria necessário dar mais eficiência e estrutura aos operadores do Direito, e mais segurança ao jurisdicionado.
A emenda criou o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público, órgãos administrativos voltados a pensar e planejar melhor como Judiciário e MP operam. Com eles, surgiram os cargos de corregedores nacionais de Justiça e do Ministério Público, e também a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam).
A reforma também estabeleceu novas regras para o ingresso e a promoção na carreira de juiz e ampliou a competência da Justiça do Trabalho, que passou a contar com seu próprio Conselho Superior.
O Supremo Tribunal Federal também foi afetado pela reforma. Mesmo com o seu volume de processos desafogado pela criação do Superior Tribunal de Justiça, em 1988, ainda via seu acervo aumentar exponencialmente. Com a instituição da repercussão geral, em um ano e meio foi reduzido em 40% o número de processos julgados. O acervo, que era de 118 mil casos, 15 anos depois resta em meros 11 mil.
E essa novidade foi o que levou a uma das grandes revoluções vivenciadas pelo Judiciário. Para otimizar a análise dos processos, o STF ousou implementar o Plenário Virtual, em 2007. Por meio de um espaço virtual remoto, os ministros passaram a ter outro ambiente de julgamento, no qual podem interagir e registrar seus votos e manifestações durante o período de tempo da sessão virtual.
Esse mecanismo, que era visto com desconfiança inicialmente, foi sendo aprimorado e ampliado. Durante a epidemia da Covid-19 o Plenário Virtual ganhou relevância, permitindo o aumento de produtividade da corte, inclusive com julgamentos de grande relevância.
A Reforma do Judiciário também trouxe instrumentos de extrema importância para fomentar a cultura de precedentes no Brasil. Um deles é a súmula vinculante do STF: enunciado aprovado pelo Plenário de observância obrigatória pelas demais instâncias.
O outro é a possibilidade de conferir efeito erga omnes (para todos) nos casos julgados em que foi reconhecida a repercussão geral. Assim, um único processo passou a vincular milhares de outros, desde que com a mesma tese jurídica.
E o que deu certo para o STF foi, depois, replicado para outros tribunais. A Justiça do Trabalho criou em 2015 o recurso de revista repetitivo, a fim de garantir uma jurisprudência uniforme, estável e coerente. Em 2008, o STJ passou a contar com os recursos repetitivos para firmar teses qualificadas. E, já em 2022, foi promulgada a Emenda Constitucional 125, que estabelece o critério da relevância para que possa julgar temas em recurso especial.
Digitalização e dados
No final da década de 1990, processo era sinônimo de papel e custo. Os malotes levavam meses para sair dos tribunais de segunda instância e chegar a Brasília, e esse vai-e-vem, no final dos anos 2000, consumia milhões de reais. No STJ, a papelada se acumulava em instantes nos gabinetes, nos corredores e nas garagens. A digitalização dos processos na corte começou porque o peso das pilhas estava abalando as estruturas do prédio onde as secretarias das turmas julgadoras ficavam.
A digitalização dos processos enfrentava resistência: de servidores, que temiam que seus empregos se tornassem obsoletos; de magistrados, desacostumados a ler autos em telas de computador; de advogados, sob o risco de perder o contato mais direto com os tribunais; e de todos, pelo medo de isso vulnerar a segurança do sistema. A mudança, mais uma vez, foi gradual.
Em 2006, foi aprovada a Lei do Processo Eletrônico (Lei 11.419/2006), que permitiu a digitalização do Judiciário. Foi só em 2010 que oficializou-se a criação do Processo Judicial Eletrônico (PJe), o sistema que, em 2013, seria oficializado pelo CNJ para unificar a tramitação processual — apesar do uso preferencial de outros, como o e-Proc e o e-Saj, por alguns tribunais brasileiros.
Foi a revolução digital do Judiciário que permitiu, também, saber realmente quanto e o que se estava a julgar. O Sistema de Estatística do Poder Judiciário, com a possibilidade de extração de dados, foi criado em 2005. No ano seguinte, o CNJ publicou o primeiro relatório Justiça em Números, ainda sem caráter analítico — o que só aconteceria em 2008, quando foi feita uma ampla revisão da série histórica dos indicadores usados.
Ou seja, quantificar e analisar, naquele mar de processos ainda em digitalização, era, no mínimo, temerário. A ministra Ellen Gracie, primeira mulher presidente do STF e que ocupou o cargo na época da Reforma do Judiciário, conta que, na época, procurou o Tribunal de Justiça de São Paulo para saber o impacto de um caso tributário julgado sob repercussão geral, e esse dado simplesmente não existia, pois a corte paulista não tinha na sua distribuição a indicação de assunto, apenas a classe processual.
Obter, compreender e interpretar dados e estatísticas eram — e ainda são — o principal desafio do Anuário da Justiça, que a ConJur passou a editar em 2007. Essa informação só começou a aparecer de forma sistematizada a partir das edições de 2011. Isso foi, também, um reflexo da antiga postura encastelada do Judiciário. Quando o primeiro Anuário da Justiça São Paulo foi editado, em 2008, a presidência do TJ-SP desautorizou a publicação e recomendou aos desembargadores não conceder entrevistas.
A ConJur, o Anuário e a imprensa no geral foram, aos poucos, vencendo a resistência. E o CNJ forneceu a necessária transparência e fomentou conceitos de eficiência e gestão. Em 2009, instituiu o Planejamento Estratégico do Poder Judiciário. E, em 2010, criou as famigeradas metas. Foi o momento em que todos os tribunais brasileiros assumiram o compromisso de julgar mais processos do que recebiam.
Legislação e crise
Graças à atividade do Congresso e à atuação ativa da advocacia brasileira, o período de 25 anos de existência da ConJur foi também de grandes avanços legislativos — muitos dos quais sugeridos ou influenciados pela atuação de juízes e juristas. Foram publicados os estatutos do Torcedor (2002), do Idoso (2003), do Desarmamento (2003), e da Igualdade Racial (2010), entre outros.
Em 2002, o Brasil ganhou seu terceiro Código Civil (Lei 10.406/2002). E, em 2015, seu terceiro Código de Processo Civil, que oficializou a gestão de precedentes no Brasil. Os Códigos Penal e Processual Penal, infelizmente, continuaram os mesmos. Isso, porém, não significa que nada mudou. Ambos foram alterados por seguidas leis, em regra aprovadas sob a repercussão de grandes escândalos, incapazes de pacificar a sociedade.
Entre 2000 e 2020, a população carcerária triplicou e protagonizou seguidas crises. Em 2022, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) registrou 919 mil presos, com outros 352 mil mandados de prisão em aberto. Basta dizer que, em 2008, os mutirões criados pelo ministro Gilmar Mendes levaram à libertação de mais de 20 mil presos esquecidos, que já haviam cumprido pena e seguiam privados de suas liberdades.
Conforme as crises políticas e econômicas se avolumavam, o Judiciário passou a ser cada vez mais ser chamado para exercer o papel de contrapeso nas relações da República brasileira, e a arcar com as consequências disso. A última década foi de exposição sem precedentes, um período em que, nas palavras do ministro Luís Roberto Barroso, “o Direito Penal chegou ao andar de cima“.
O julgamento do mensalão, as idas e vindas com a prisão em segunda instância e a “lava jato” abriram chagas na relação das instituições com a população, com consequências graves e atuais no Brasil. A ponto de levar ao momento mais conturbado desde a redemocratização: ameaça à democracia, ataques contra as instituições e violência política tornaram-se fatos do dia-a-dia.
A força da advocacia
Todos esses avanços contaram com a atuação determinante da advocacia brasileira, incansável na defesa de suas prerrogativas e contrária aos avanços no sentido de marginalizar e criminalizar o exercício da profissão, contra o direito de defesa.
Quando a ConJur começou seus trabalhos, a quantidade de advogados no Brasil era consideravelmente menor. O número de cursos de Direito não alcançava 250, enquanto hoje ultrapassa a marca de 1,5 mil. Esse crescimento se deu muito a contragosto da OAB, que agiu e ainda age contra a proliferação de faculdades e o consequente nivelamento por baixo do ensino jurídico no país.
O resultado é que o Brasil é um dos países com o maior número de advogados no mundo: 1,2 milhão devidamente habilitados, segundo o Conselho Federal da OAB. Todos precisaram ser aprovados no Exame da Ordem, que tem sobrevivido ao longo dos anos, apesar das diversas tentativas de eliminá-lo, como barreira ao efetivo exercício da profissão. Desde 2010, é aplicado de forma unificada. Antes disso, cada seccional tinha a prerrogativa de preparar a própria prova.
A advocacia brasileira não se manteve inerte e prestou atenção aos sinais dos tempos. Em 2015, aprovou um novo Código de Ética para adequar ao momento de avanços tecnológicos as regras referentes a marketing jurídico digital e publicidade profissional — regras que têm sido constantemente debatidas e redefinidas.
Em 2022, o Estatuto da Advocacia, que data de 1994, foi consideravelmente reformulado. Entre outros pontos, a Lei 14.365/2022 aumentou as possibilidades de sustentação oral, liberou parte de bens bloqueados de clientes para honorários e reembolso de despesas, e, mais importante, vetou medidas cautelares em escritórios de advocacia quando fundamentadas em delações sem provas ou testemunhas sem confirmações.
O triste fim das forças-tarefas
Neste quarto de século de atuação da ConJur, uma das instituições que precisaram abandonar seu encastelamento foi o Ministério Público brasileiro, também bastante afetado pela Emenda Constitucional 45/2004. Se até 1988 era mera repartição do Executivo, nos últimos 34 anos exerceu sua vasta competência de forma independente e com uma liberdade que a jogaria no olho do furacão criado por ela própria.
O período das “forças-tarefas” que executavam “operações” sempre com nomes chamativos, previamente vazadas para a imprensa e com alvos de relevo nacional, abriu um dos períodos mais punitivistas e moralistas da história brasileira. Desde o princípio, a ConJur noticiou os engodos praticados por grupo de procuradores e juízes que passavam por cima de garantias constitucionais rumo ao estrelato, com direito a tentativas de emparedamento até de ministros das cortes superiores.
As consequências não poderiam ser mais atuais. A correção de rumos é mais recente. Os Gaecos, grupos de atuação especial de combate ao crime organizado, deram nova institucionalização ao que eram as tais forças-tarefas, nome fantasia de um órgão que não existe no organograma do MPF. A mais famosa delas, a “lava jato”, durou seis anos. Ainda é difícil mensurar seus prejuízos.
O Ministério Público é o foco, também, de um dos anuários editados pela ConJur, que mostra como a atuação preventiva e institucionalizada tem sido o foco da instituição. O CNMP, criticado por agir com corporativismo e evitar punições, tem buscado se fortalecer.
Desafio gigante
A pandemia mundial da Covid-19 foi, possivelmente, o capítulo mais desafiador enfrentado pelo Brasil nos últimos 25 anos. Em um contexto de incertezas quanto à produção de uma vacina eficaz, à garantia de emprego da população, ao colapso no sistema hospitalar e à falta de assistência social, coube muitas vezes ao Judiciário solucionar os problemas que se multiplicavam.
Graças às décadas investindo em tecnologia, o Poder Judiciário respondeu com celeridade à população, garantindo a prestação de serviços durante a pandemia ao adotar o modelo home office. Conforme dados do CNJ, a produtividade cresceu durante a pandemia.
As cortes superiores foram fundamentais nesse período, com destaque para o STF. Enquanto governo federal, estados e municípios editavam inúmeras normas para contingenciamento da Covid-19, a corte prontamente atuou para unificar entendimentos, bem como afastar normas inconstitucionais.
Com a vacinação avançada, nota-se que o virtual é a nova realidade do Judiciário. A retomada presencial, no começo de 2022, foi, na verdade, a confirmação de um novo modelo híbrido: presencial quando necessário, telepresencial se conveniente.
Audiências? Podem ser online. Julgamento? Os sistemas virtuais nunca foram tão utilizados. Cortam-se gastos com energia, internet, transporte, passagens de avião e há uma maior eficiência de tempo.
Assim, vê-se que as restrições e mudanças no cotidiano trazidas pela Covid-19 não paralisaram o Poder Judiciário, pelo contrário, aceleraram processos de mudanças já em curso, que contribuíram para uma prestação jurisdicional ainda mais célere.
Muita coisa mudou em 25 anos. Entre todos os ministros dos tribunais superiores que atuavam quando a Revista Eletrônica Consultor Jurídico foi lançada, apenas um continua em atividade: Felix Fischer, no STJ. O decano da corte infraconstitucional está afastado por problemas de saúde desde 2 de junho de 2021 e se aposenta em 30 de agosto, quando completará 75 anos.
Em 25 anos, 29 pessoas ocuparam cadeiras no Supremo Tribunal Federal. No STJ, o número é de 81, e está em vias de aumentar, já que há duas vagas para serem preenchidas por escolhas feitas por Jair Bolsonaro. A ConJur testemunhou tudo, e assim continuará.