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Decisões mudaram direitos, procedimentos e cenário jurídico

Desde 1997, o Brasil passou por inúmeras transformações políticas e sociais, e também jurídicas. A Justiça — especialmente por meio do Supremo Tribunal Federal — proferiu decisões de extremo impacto para seu próprio funcionamento, para o Direito como um todo e para a vida dos cidadãos brasileiros. Aqui, a ConJur apresenta 25 julgados que mudaram os rumos do país ao longo dos seus 25 anos de existência.

Liberdades
Um tema recorrente no STF nesse período foi a liberdade de expressão. A corte foi responsável por demarcar o alcance desse direito fundamental. Em 2003, por exemplo, o tema foi debatido no julgamento do Habeas Corpus de um editor responsável por publicar livros que negavam a ocorrência do Holocausto. Os ministros concluíram que o crime de racismo também valeria para o preconceito contra judeus, e não só contra negros. Esta foi a primeira condenação definitiva por antissemitismo na América Latina.

Já em 2011, o Supremo decidiu que eventos como a Marcha da Maconha — no qual manifestantes defendem a descriminalização da droga — não incitam atos ilegais. O entendimento foi de que os protestos estão inseridos nos conceitos de livre circulação de ideias e exercício da liberdade de expressão. 

Também no século 21, questões que remontam à ditadura militar passaram a ser discutidas no STF. Em 2009, a corte constatou que a Lei de Imprensa era incompatível com a Constituição. A norma, instituída em 1967 para “regular a liberdade de manifestação do pensamento e da informação”, permitia que jornalistas fossem detidos e veículos de comunicação fossem multados caso ofendessem “a moral e os bons costumes”. Para os ministros, nenhuma modalidade de censura prévia seria aceitável.

Porém, no ano seguinte, o Supremo não autorizou a revogação da anistia para agentes públicos acusados de cometer crimes comuns durante a ditadura militar (medida concedida pela Lei de Anistia).

Ciência e saúde
A corte constitucional já se deparou com temas bastante polêmicos, como o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas e tratamentos de doenças graves. Para se extrair tais células, o embrião humano precisa ser destruído. Na visão de grupos religiosos, isso configuraria interrupção de uma vida. Mas os ministros levaram em conta a necessidade de desenvolvimento científico e ressaltaram que o embrião fertilizado em laboratório não chega a gerar uma vida se não for colocado em um útero. Com isso, o procedimento foi validado.

Outro caso envolvendo ciência e conflito de valores ocorreu já em meio à crise da Covid-19. O STF confirmou que o Estado pode determinar a vacinação obrigatória e impor medidas restritivas aos cidadãos que recusarem a imunização. O direito à saúde coletiva foi colocado acima dos direitos individuais.

A saúde também foi tema de julgamento recente e determinante, desta vez no Superior Tribunal de Justiça. Os ministros debatiam se o rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) seria exemplificativo ou taxativo. No último mês de junho, o STJ decidiu que os planos de saúde não são obrigados a oferecer tratamentos que não foram listados pela autarquia.

Pautas sociais
O STF já foi responsável por declarar a constitucionalidade da Lei Maria da Penha e definir que o Ministério Público pode atuar nos casos de lesão corporal contra mulheres independentemente de representação da vítima. Assim, ações contra agressores podem existir mesmo quando a queixa é retirada ou nem é feita pelas mulheres.

Pouco antes, o tribunal havia equiparado juridicamente as uniões estáveis heteroafetiva e homoafetiva. Ou seja, casais homossexuais foram reconhecidos como núcleos familiares iguais a quaisquer outros. Outra garantia para a comunidade LGBTQIA+ foi o direito de pessoas trans mudarem seu nome e gênero no registro civil, mesmo sem terem feito cirurgia para mudança de sexo.

Ainda dentro desse escopo, o Supremo aprovou a equiparação da homofobia e da transfobia ao crime de racismo. Com isso, agressores podem ser punidos em até cinco anos de prisão. A decisão vale até que essas condutas sejam oficialmente criminalizadas por meio de nova lei.

Em 2012, o STF validou o sistema de cotas raciais em universidades públicas. Para os magistrados, políticas de ação afirmativa em favor de grupos sociais historicamente discriminados combatem a desigualdade e a exclusão social. Cinco anos depois, a corte também considerou legítima a aplicação das mesmas cotas em concursos públicos.

Naquele mesmo ano, o tribunal estabeleceu que a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos não configura crime de aborto, pois não seria justo punir uma mulher por carregar um feto sem possibilidade de vida.

Processo penal
Uma das decisões mais paradigmáticas do STF ocorreu em 2019, quando foi proibida a prisão em segunda instância — ou seja, foi derrubada a possibilidade de execução antecipada da pena.

A corte modificou um precedente anterior, firmado em 2016, e passou a autorizar o início do cumprimento da pena somente após o trânsito em julgado da ação. Um dia depois do fim do julgamento, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi libertado, após 580 dias preso em função de uma condenação em segunda instância.

Outras decisões de destaque envolvendo o processo penal foram: a definição da possibilidade de ingresso de policiais em domicílio sem mandado de busca e apreensão nos casos de crimes de natureza permanente, como tráfico de drogas; a restrição do alcance do foro especial de parlamentares federais somente aos fatos ocorridos durante o mandato e em função do cargo; e a proibição de se levar pessoas para interrogatórios à força — as chamadas conduções coercitivas, amplamente usadas pela “lava jato”.

As irregularidades da força-tarefa curitibana de combate à corrupção foram escancaradas por outra decisão recente e histórica do STF. No último ano, o Plenário declarou o ex-juiz Sergio Moro suspeito para julgar o ex-presidente Lula no caso do tríplex do Guarujá (SP). Os ministros reconheceram que o magistrado atuou junto aos procuradores da “lava jato” para condenar Lula e usou provas obtidas ilegalmente — por exemplo, com aplicação de grampos antes de outras medidas.

Mensalão
Um dos julgamentos mais emblemáticos do STF foi o da Ação Penal 470 — o processo do escândalo do mensalão. A corte entendeu que ficou comprovado o esquema de compra de votos no Congresso com uso de dinheiro público e empréstimos fraudulentos. Dos 38 réus, 24 foram condenados por crimes como corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e peculato.

Ao longo de quase 70 sessões plenárias entre 2012 e 2014, os ministros usaram e abusaram da teoria do domínio do fato para embasar as condenações. A tese foi criada pelo criminalista alemão Claus Roxin, na tentativa de evitar que dirigentes do Partido Nazista tivessem uma responsabilização menor na esfera penal.

Segundo a teoria, pessoas que ocupam posições de poder dentro de um aparato organizado e dão o comando para a execução de um delito precisam responder na Justiça criminal como autores, e não como meros participantes. Porém, o próprio Roxin explicou que é necessário provar que tais agentes tenham, de fato, emitido a ordem.

Mesmo assim, o STF condenou muitos dos réus da AP 470 com base na simples suposição de sua participação nos fatos, devido apenas à sua posição hierárquica. Ou seja, a teoria do domínio do fato foi amplamente distorcida.

Outros temas
Uma decisão tributária do Supremo foi tão fundamental que recebeu a alcunha de “tese do século”. A corte excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Para os ministros, o ICMS não pode ser considerado faturamento, e por isso as contribuições devem incidir somente sobre os valores efetivamente obtidos com a venda dos produtos e mercadorias. Mais tarde, a tese foi modulada para valer somente a partir de 2017.

Decisões da Corte Constitucional também orientam o processo eleitoral brasileiro. Foi o STF que definiu a fidelidade partidária: perde o mandato quem se desfilia do partido pelo qual foi eleito. A regra é limitada a cargos proporcionais, a exemplo dos deputados — ou seja, não vale para aqueles eleitos pelo sistema majoritário, como senadores e chefes do Executivo. Além disso, o Supremo já proibiu doações de empresas a campanhas eleitorais.

Entre outros precedentes importantes, o STF também já decidiu que os bancos estão sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor (o que aumentou a cautela das instituições financeiras com taxas e contratos); estipulou a aplicação das regras do setor privado sobre greve também aos servidores públicos, enquanto não houver regulamentação específica; derrubou o excessivo prazo de 15 anos para pagamento de precatórios (que era previsto na chamada Emenda do Calote); e definiu a necessidade de se fazer um pedido administrativo no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) antes de acionar a Justiça na tentativa de obter algum benefício previdenciário.

Veja abaixo as 25 decisões que mudaram o Brasil nos últimos 25 anos:

Supremo nega Habeas Corpus a editor nazista condenado por racismo

Bancos estão sujeitos ao Código do Consumidor, decide STF

Decisão do Supremo acaba com o troca-troca de partidos

STF impõe limites para greve de servidores públicos

STF aprova pesquisas com células-tronco embrionárias

Lei de Imprensa é revogada por ser inconstitucional

Supremo afasta revisão da Lei de Anistia

Supremo Tribunal Federal reconhece união estável homoafetiva

Marcha da Maconha tem respaldo da Constituição

Lei Maria da Penha é constitucional e ação não depende da vontade da mulher

Interrupção da gravidez de feto anencéfalo não é crime de aborto

Supremo decide que cotas raciais são constitucionais

Supremo derruba Emenda do Calote de precatórios

Julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão

Ação judicial contra Previdência deve ser precedida por pedido administrativo

Supremo declara inconstitucionalidade de financiamento eleitoral por empresas

Polícia pode apreender drogas dentro de casa sem mandado, decide Supremo

ICMS não integra base de cálculo do PIS e da Cofins, define Supremo

Parlamentar só tem foro especial em fato ocorrido em função do mandato, diz STF

Supremo declara inconstitucional condução coercitiva para interrogatórios

Supremo aprova equiparação de homofobia a crime de racismo

STF derruba a possibilidade de execução antecipada da pena

Vacinação obrigatória é constitucional

Moro é suspeito para julgar Lula, decide Supremo Tribunal Federal

Rol da ANS é taxativo, mas pode ser superado em casos excepcionais, diz STJ

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