“Se você não tem dúvidas é porque está mal-informado.” O refinado chiste de Millôr Fernandes, dito há muitos anos, parece ter sido criado para os dias que correm. Em época de “pós-verdades” e narrativas polarizadas, uma versão mais ferina da frase já foi dita por aí: “Quem não lê jornais fica mal-informado, mas quem os lê fica desinformado”. Ironias e maledicências à parte, o papel da imprensa e a reafirmação (sempre necessária) de sua liberdade como garantia constitucional imprescindível para o Estado democrático de Direito (artigo 5º, IX, da CF/88), bem como os debates sobre limites ético-jurídicos e correlata responsabilização (artigo 5º, V, da CF/88), ganham relevância singular na presente quadra histórica, aqui e alhures, o que abrange a imprensa especializada.
É nesse desafiador contexto que a revista Consultor Jurídico celebra seus 25 anos. Nascida em 1997, sob a égide de uma transformação digital ainda em estágio potencial, o que seria uma proposta inovadora, talvez uma aposta, viria a se tornar referência jornalística na temática relacionada ao Direito e à Justiça. Alcançar um quarto de século descrevendo e decifrando o complexo sistema de Justiça brasileiro, oferecendo ao leitor amplo conteúdo especializado, vertido em milhares de notícias, artigos, entrevistas, colunas, petições, pareceres, vídeos, enfim, viabilizando, a quaisquer interessados, acesso amplo e gratuito à matéria-prima do conhecimento, qual seja, informação de qualidade, sobretudo neste momento histórico, não é façanha pequena.
Se, como dizia Rui Barbosa, a imprensa é a vista da Nação, portais especializados como a ConJur são canais por meio dos quais a população, inclusive a não especializada, tem a oportunidade de acessar informações que, embora de interesse geral (revisão de benefícios previdenciários, para citar um único exemplo), em regra e até por questão de espaço, ficam limitadas a um plano superficial nos veículos tradicionais de comunicação.
Ademais, oportuniza-se conhecer melhor as entranhas das instituições que compõem o chamado “Sistema de Justiça” — e os Anuários produzidos pela Editora Consultor Jurídico o comprovam —, além de, o que tenho por mais importante, propiciar privilegiado espaço de debates e registros de variadas opiniões daqueles que efetivamente fazem o direito na teoria e na prática.
Ao longo desses 25 anos, a revista eletrônica Consultor Jurídico pôde testemunhar as inúmeras transformações ocorridas na história jurídica do país após o advento da Constituição de 1988, sendo uma das mais relevantes — e altamente controversa — o fenômeno denominado “judicialização da vida”, expressão que, aliás, dá título a conhecida obra do eminente ministro e colega Luís Roberto Barroso[1].
De fato, por razões diversas, algumas que a própria razão talvez desconheça, a litigiosidade das últimas décadas alcançou números estratosféricos no Brasil, o que motivou reformas legislativas e administrativas de adaptação à pletora de demandas judiciais, mas que, ainda assim, continuam desafiando a racionalidade e os limites estruturais do Poder Judiciário e das funções essenciais à Justiça. No Brasil, litiga-se por tudo e, às vezes, até por nada.
Entretanto, se é possível vislumbrar algo positivo no fenômeno, pode-se citar a intensa produção de conteúdos jurídicos, a respeito dos quais a ConJur funciona como espaço privilegiado de debates. Como reflexo direto da judicialização da vida, o direito passou a guiar expectativas nas demais áreas da sociedade, notadamente na economia e na política, o que torna ainda maior a relevância de portais especializados, como é o caso desta revista, que, ao longo dos últimos 25 anos, tem registrado os três grandes ciclos de aspirações e transformações nas esferas econômica, política e social do país, todos profundamente imbricados com o mundo do direito.
Em 1997, ano de nascimento do site, o Brasil já havia ingressado no período pós-superação do drama inflacionário com o advento do bem-sucedido Plano Real. Relembre-se que, após várias tentativas infrutíferas no médio e longo prazos, a preocupação de estabilizar a economia, derrotando a famigerada hiperinflação, tornou-se um dos raros consensos nacionais, ponto de partida sine qua non para qualquer pretensão posterior de enfrentamento dos demais desafios, máxime aqueles relacionados com os dramáticos indicadores sociais. Consolidou-se, em boa hora, a percepção de que o caminho para alcançar os objetivos fundamentais traçados no artigo 3º da Carta de 1988, tinha como incontornável ponto de partida a estabilidade da economia, inaugurando-se, a partir de 1994, o primeiro ciclo, marcado pela consolidação da racionalidade econômica e fiscal.
Superado aquele que foi o primeiro grande desafio do período pós-Constituição de 1988, a partir dos anos 2000 as demandas nacionais projetaram-se para o enfrentamento e tentativa de diminuição das desigualdades sociais, surgindo então um segundo ciclo marcado por políticas públicas e investimentos sociais — somente possíveis, é bom que se diga, a partir da racionalidade econômica oriunda do momento anterior —, cujo legado, olhando em retrospectiva, ainda divide opiniões, não tanto pelo mérito dessas políticas, certamente necessárias, mas mais pelo que viriam a ser as sementes que fariam brotar o atual e terceiro ciclo democrático pós-1988. Isso porque sua semeadura advém das impressionantes manifestações populares verificadas em 2013 e é fermentado pelos casos de corrupção detectados nos anos subsequentes.
Testemunha ocular e, por que não dizer, contributiva de boa parte desses acontecimentos, a ConJur tem acompanhado a ascensão e o protagonismo inédito do sistema de Justiça brasileiro, o qual se tornou decisivo player na formatação e nos destinos do país. Vivenciou a atuação de magistrados, promotores e delegados levada à exposição midiática em horário nobre. Constatou que a composição dos 11 do Supremo Tribunal Federal havia se tornado mais conhecida, comentada e discutida que escalação da seleção brasileira de futebol. Também tem presenciado, ante o chamado ativismo judicial, a evolução das relações e tensões próprias às indispensáveis harmonia e independência dos Poderes, cujo primado já não tem o mesmo formato previsível e monocromático na delimitação dos espaços de cada poder, vindo a adquirir novas complexidades e coloração a ponto de colocar no divã a tradicional concepção de freios e contrapesos.
Concorde-se ou não com sua linha editorial, que, aliás, me parece assaz independente, equilibrada e aberta à pluralidade de opiniões, a trajetória da revista Consultor Jurídico a credencia como leitura obrigatória dos brasileiros, em especial daqueles que têm no direito o seu ofício. Mais do que isso: o prestigiado espaço de debates, defesas, contrapontos e registros de cosmovisões distintas nela encontrado, sobretudo neste momento em que a quantidade de informações disponibilizada é inversamente proporcional à sua qualidade, é artigo de primeira necessidade para os operadores jurídicos, contribuindo reflexamente para o aprimoramento das instituições jurídicas do país.
Finalizo citando outra frase atribuída a Millôr, tratando da independência do semanário que ajudara a criar: o denominado O Pasquim. Fazendo troça de sua própria obra, afirmou o conhecido humorista: “Se esta revista for mesmo independente não dura três meses. Se durar três meses não é independente”. Alvíssaras, portanto, aos tempos atuais, em que a ConJur comemora 25 anos premiando o leitor com jornalismo especializado, independente e de qualidade. Que seja apenas um ciclo de uma longa e bela história.
[1] A judicialização da vida: e o papel do Supremo Tribunal Federal. São Paulo: Fórum, 2018.